Existe uma tentação natural em olhar para gráficos de trinta ou cinquenta anos e tirar conclusões sobre qual ativo é melhor no longo prazo. O problema é que ninguém investe dentro de um gráfico retroativo. O investidor real vive em janelas de dez ou quinze anos, muitas vezes com aportes irregulares, crises pessoais, mudanças de carreira e momentos de dúvida. Por isso, quando a comparação entre ouro e S&P500 é analisada com horizontes reais, a narrativa muda completamente.
O S&P500 vence na maior parte das janelas móveis de dez e quinze anos, como mostram estudos recentes de JP Morgan Asset Management no Guide to the Markets e de BlackRock em seus relatórios de construção de portfólio de 2024. Isso não é surpresa, porque ações representam crescimento econômico, lucros corporativos e inovação contínua. Em condições normais, elas entregam mais retorno do que qualquer ativo que não produz fluxos de caixa.
Mesmo assim, o ouro continua indispensável. E o motivo é simples. O ouro vence exatamente quando o investidor mais precisa de proteção. Nos choques de inflação, nos momentos de aversão global ao risco, nos ciclos de dólar fraco, nos eventos de estresse bancário e nas rupturas inesperadas, ele se comporta como um estabilizador. Quando o mundo funciona, ações lideram. Quando o mundo falha, o ouro compensa. Não é força bruta, é equilíbrio.
Existe também um equívoco comum sobre volatilidade. O ouro não é um ativo calmo, sua oscilação histórica é tão intensa quanto a das ações. A diferença é que ele se movimenta em momentos distintos. Quando ações caem forte, o ouro tende a reagir na direção oposta. Essa descorrelação é o que cria a sensação de estabilidade emocional, ainda que não reduza a volatilidade total. No fundo, o ouro não suaviza apenas o gráfico, ele suaviza a experiência do investidor, algo que faz enorme diferença em crises profundas.
Quando combinamos ouro e ações, o caminho fica mais suportável, mesmo que o destino final não mude muito. Uma carteira com uma pequena parcela de ouro costuma abrir mão de um pouco do retorno máximo possível, porém reduz a profundidade dos tombos, diminui o tempo de recuperação e, principalmente, aumenta a probabilidade de o investidor manter o plano até o fim. Em finanças, permanecer investido por dez ou quinze anos vale mais do que qualquer ajuste tático de curto prazo.
Esse entendimento deu origem a algumas das estratégias mais respeitadas do mundo moderno de investimentos.
A filosofia Barbell, amplamente divulgada por gestores como Ray Dalio ao longo dos estudos que inspiraram o conceito do All Weather Portfolio, parte de uma constatação simples. Ciclos são imprevisíveis, porém administráveis quando ativos que prosperam em ambientes distintos convivem na mesma carteira. Ações funcionam em crescimento, ouro funciona em estresse, títulos funcionam em desaceleração. O objetivo não é prever o ciclo seguinte, e sim resistir a todos eles.
Outra abordagem que ganhou força nas últimas décadas é a utilizada por diversos family offices globais. Relatórios recentes de UBS Global Wealth Management, do World Gold Council e de consultorias independentes mostram que combinações com uma pequena parcela de ouro e outras posições descorrelacionadas oferecem uma blindagem consistente contra períodos de inflação e crises sistêmicas, especialmente quando o horizonte do investidor não é infinito como nos estudos acadêmicos.
Há também o modelo voltado a ambientes inflacionários duradouros, estudado em materiais do Federal Reserve de St. Louis e analisado em relatórios de casas como Vanguard e BlackRock. Essa abordagem considera que a inflação não é apenas um risco financeiro, mas um risco de corrosão estrutural de patrimônio. Um arranjo com ações para crescimento, ouro para proteção e títulos indexados à inflação para preservar poder de compra oferece uma defesa mais robusta contra décadas perdidas, como vimos nos anos 70 e revisitamos parcialmente em 2022.
O ponto comum entre essas estratégias é que nenhuma tenta vencer o mercado no curto prazo. Todas tentam evitar que o investidor seja expulso dele nos piores momentos. A ideia não é maximizar o retorno absoluto, e sim maximizar a chance de o investidor completar a jornada. Uma carteira perfeita matematicamente é inútil se for impossível de ser mantida emocionalmente.
Isso nos traz a uma nuance fundamental, ignorada em discussões superficiais sobre perfil de risco. Um cliente conservador pode ter uma quantidade relevante de ações se seu horizonte for realmente longo. Da mesma forma, um investidor agressivo pode precisar reduzir risco e aumentar posições defensivas se estiver próximo de um grande objetivo. Perfil psicológico e horizonte temporal não são sinônimos, são variáveis distintas que precisam ser tratadas com honestidade.
Quando aplicamos esse raciocínio à relação entre ouro e S&P500, a conclusão se torna clara. Se o horizonte for curto e o investidor não puder viver um grande tombo, o ouro cumpre seu papel de forma exemplar. Se o horizonte for longo e o investidor tiver disciplina, ações lideram naturalmente, com ou sem ouro. Para horizontes intermediários, que são a realidade de quase todo mundo, a combinação dos dois tende a ser superior ao uso isolado de qualquer um deles, não pela matemática fria, mas pela capacidade de preservar disciplina ao longo dos ciclos.
Fontes: JP Morgan Asset Management Guide to the Markets 2024, BlackRock Capital Market Assumptions 2024, Vanguard Long Term Returns Study, World Gold Council Strategic Case for Gold 2023, Bridgewater All Weather Principles, Federal Reserve St. Louis FRED Database, BIS Research Papers.
