O que realmente aconteceu
No Brasil, após o boom de IPOs de 2020 e 2021, a base de companhias com ações à vista começou a diminuir. No início de 2022, havia 398 empresas listadas na B3. Em 2025, esse número caiu para 358, segundo consulta pública disponível no site da própria B3 (seção “Empresas Listadas”, visão diária). A diferença não é apenas estatística. São menos empresas negociadas todos os dias, o que reduz a diversidade de setores e aumenta a concentração nos grandes nomes do mercado.
Nos Estados Unidos, o movimento é semelhante, mas de escala muito maior. Dados do Banco Mundial, com base na World Federation of Exchanges (WFE) — a Federação Mundial das Bolsas de Valores — mostram uma queda de longo prazo: de mais de 6,5 mil empresas nos anos 1990 para cerca de 4,7 mil em 2024. O número se estabilizou nos últimos anos, mas muito abaixo do auge histórico.
Na Europa, o quadro é mais heterogêneo. O Reino Unido teve 88 saídas em 2024, encerrando o ano com 972 companhias listadas no mercado principal, após 18 meses consecutivos de reduções líquidas, segundo o Financial Times. Já a Euronext, que reúne França, Holanda, Bélgica e Portugal, não enfrentou a mesma intensidade de saídas e manteve estabilidade no total de empresas listadas.
Entre 2020 e 2021, o mundo viveu uma janela de liquidez e juros baixos que impulsionou novas listagens. De 2022 a 2025, o ciclo se inverteu: juros altos, menor apetite por risco e uma sequência de OPAs (Ofertas Públicas de Aquisição) e reorganizações societárias reduziram o número de ações disponíveis para negociação.
Por que isso aconteceu
1. Ciclo macro e custo de capital. Taxas de juros elevadas aumentam a exigência de retorno dos investidores, comprimem múltiplos e tornam as aberturas de capital menos atrativas. Em ciclos assim, há mais saídas do que entradas.
2. Take-privates e recompras como arbitragem de valor. Com as ações negociando a preços deprimidos, controladores e fundos de private equity aproveitam para recomprar empresas e fechar capital. Nos Estados Unidos, 2025 registrou uma onda de transações desse tipo, e Londres viveu tendência parecida.
3. Custo e complexidade de ser companhia aberta. Manter governança, auditoria, comunicação com investidores e conformidade regulatória é caro. Em ambientes de volatilidade, o benefício de estar listado muitas vezes não compensa o custo.
4. Consolidação setorial. Fusões, incorporações e OPAs também reduzem o número de companhias listadas, mesmo quando essas empresas continuam saudáveis.
- EDP Brasil (ENBR3) realizou OPA em 2023 para fechar o capital e simplificar sua estrutura societária.
- Cielo (CIEL3) concluiu OPA em 2024, com Bradesco e Banco do Brasil recomprando ações e encerrando a listagem no Novo Mercado.
- SulAmérica (SULA11) deixou o pregão em 2022, após incorporação pela Rede D’Or (RDOR3).
- Gol (GOLL4) anunciou em 2025 OPA de deslistagem como parte de sua reestruturação pós-Chapter 11 nos Estados Unidos.
- Alliar (AALR3) saiu da B3 em 2023, após aquisição pela Mubadala.
Esses casos mostram que a redução de listadas não é sinônimo de crise, mas de rearranjo societário e consolidação de mercado.
Hipóteses testáveis
Mudança estrutural. Os mercados privados ficaram maiores, mais líquidos e acessíveis, o que faz com que muitas empresas prefiram permanecer fora do escrutínio público. A trajetória dos EUA e a recente dinâmica do Reino Unido confirmam esse movimento.
Efeito cíclico. De 2022 a 2025, o aumento dos juros e a queda nos valuations restringiram as janelas de IPO. Quando o custo de capital voltar a cair, parte das listagens pode retornar, mas dificilmente ao padrão anterior a 2020.
Síntese. Há um componente estrutural, que reduz o papel das bolsas como principal canal de captação, e um componente cíclico, que agravou a contração entre 2022 e 2025. Ambos estão atuando simultaneamente.
O que interessa para o investidor brasileiro
Diversificação de verdade. Com apenas 358 empresas negociadas à vista, o universo local ficou mais estreito e correlacionado. Os índices se concentram em poucos nomes, o que exige controle de exposição por setor e ativo. Incluir ETFs e BDRs pode ajudar a trazer de volta setores ausentes na B3.
Atenção às OPAs e fechamentos de capital. Quando uma empresa decide sair da bolsa, precisa fazer uma oferta para recomprar as ações dos investidores. Essas operações costumam mexer nos preços, já que definem quanto o controlador está disposto a pagar. Detalhes como o free float, o laudo de avaliação e o prazo de conclusão deixam de ser meros aspectos técnicos e passam a afetar o retorno real do investidor. Quem não acompanha o processo pode perder o momento certo de vender ou até ficar com ações que deixam de ser negociadas.
Critério sobre quem permanece listado. Em 2025, permanecer público é uma decisão estratégica: serve como moeda para aquisições, dá acesso a investidores institucionais e impõe disciplina de governança. A seleção natural tende a aumentar a qualidade média das empresas que ficam na bolsa.
O que muda para o investidor internacional
A alocação global continua essencial, mas é preciso interpretar o contexto. Nos Estados Unidos e na Europa, o número de listadas caiu, porém os índices seguem altamente representativos e diversificados. O S&P 500, o Nasdaq 100 e o Euro Stoxx 600 reúnem companhias de múltiplos setores, com forte liquidez e presença global.
Mesmo com a redução de listadas, a diversificação estrutural desses mercados se mantém. Para o investidor de longo prazo, manter exposição a esses índices continua sendo uma estratégia sólida, porque eles refletem a economia global e não apenas algumas empresas dominantes.
No curto prazo, períodos de consolidação ou múltiplas ofertas de fechamento podem gerar concentrações e distorções de preço, sobretudo em mercados menores como o Brasil ou o Reino Unido. Nesses momentos, vale revisar a alocação entre regiões e ajustar a exposição setorial.
Em resumo, “menos listadas” não significa o mesmo em todos os lugares. Nos EUA e na Europa, a base segue ampla e diversificada. No Brasil, o encolhimento da B3 muda a natureza da bolsa: menos opções, mais concentração e maior sensibilidade aos ciclos locais.
Conclusão
Entre 2022 e 2025, o Brasil passou de 398 para 358 companhias com ações à vista, segundo dados oficiais da B3. A trajetória de queda nas listadas dos Estados Unidos e as sucessivas saídas no Reino Unido confirmam que não se trata de um fenômeno isolado. A combinação de custo de capital elevado, incentivos para fechamentos de capital e custo regulatório explica o momento atual. O componente estrutural — a ascensão dos mercados privados — deve permanecer, mesmo se os juros caírem em 2026.
Para o investidor brasileiro, a resposta é direta: meça a concentração da sua carteira, trate OPA como evento de preço, eleve o critério de governança e diversifique geograficamente.
Fontes principais
- B3, consulta pública de empresas listadas, mercado à vista (2025).
- Banco Mundial, “Listed Domestic Companies – United States”, baseado em dados da World Federation of Exchanges (WFE).
- Financial Times, “LSE registra 18 meses de saídas líquidas; 972 empresas no final de 2024”.
- Financial Times / Euronext, entrevistas sobre estabilidade da Europa continental.
- CNN Brasil, “B3 tem 358 companhias listadas, menor número desde 2021”.
- Veja, “Número de empresas com ações à vista cai de 398 (2022) para 358 (2025)”.
- Valor Econômico, InfoMoney, Exame, Bloomberg Línea e NeoFeed (casos EDP Brasil, Cielo, SulAmérica, Gol e Alliar).
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